Às vezes tenho pena
das pessoas que vêm do trabalho, à noite, fustigadas pela chuva, pelo cansaço que carregam nos ombros e na alma. Olho-as pela janela e vejo-as ao longe. Às vezes cruzo-me com elas na rua.
A chuva e o vento não dão tréguas.
Chapéus com varetas dobradas e até partidas, casacos ensopados e cabelos húmidos. Caras molhadas como se tivessem estado a chorar.
Filas intermináveis de carros, engarrafamentos, com a esperança de chegarem a casa freneticamente, numa luta inglória entre o tempo. Submissos, a vida troca-lhes as voltas e não têm senão outro remédio que esperar a sua vez. Olham por entre os vidros a chuva bater, e observam com a sua vista baça os carros da frente por entre o vaivém do parabrisas.
Quem vem de camioneta, também não vem melhor, de pé, com dores nas costas a carregar uma mochila atulhada de livros ou de sacos, depois de um dia compridíssimo que parece não ter mais fim....
Sem lugar para se sentar, à espera que um velho salte do banco para sair e descansar um pouco...
Enquanto isso, no meio do trânsito infernal, entre o pára, arranca da camioneta, os movimentos dos corpos vai balançando para cá e para lá...
Quem vem de comboio, viaja igual, se bem que quem sai da camioneta e de seguida ainda tem que apanhar o comboio, e o avista já perto, tenta a sua sorte, e o cansaço que pesava anteriormente, desaparece por momentos, e entre passadas enérgicas, sobem dois e três lanços de escadas de uma só vez... para chegar à paragem ansiada.
Quando entram jogam o jogo das cadeiras, quem apanhou lugar, apanhou, quem não apanhou, segura-se no varão e lá vai balançando com o movimento oscilante do comboio.
A noite intimida o dia, é o seu reverso, é a hora de chegar.
Chegar a casa. Chegar a casa torna-se a peripécia mais esperada do final do dia.
A noite torna-se inconviniente, rude, ríspida, indelicada para todos os que carregam na alma o peso dos dias no final de um dia de trabalho.
A noite expulsa-nos e convida-nos a ir para casa e a regrassar à luz das nossas casas e também de quem lá nos espera.